Já olhou para si hoje?

Vivemos como se vivêssemos para sempre, ouvi em tempos. Um dia deparamo-nos com um sintoma, uma perda, uma doença ou uma mudança maior em nós e percebemos que ao contrário do que imaginávamos, não controlamos o nosso corpo.
Felizmente é trendy cuidar e prevenir a nossa saúde por estes dias. Embora ainda não seja uma rotina de todos – e isso daria lugar a outra reflexão -, penso que não será surpresa para ninguém que devemos beber água, alimentar-nos bem, fazer desporto, dormir o número suficiente de horas, não fumar ou beber bebidas alcoólicas.

No que diz respeito à nossa saúde mental, já não estou tão certa que seja tão claro como cuidar dela.

Sentimos e pensamos todo o dia, todos os dias. À semelhança do que se passa com o corpo, um dia percebemos algo diferente ou algo que nem sabemos explicar bem, mas que está ali, a causar um sofrimento que é difícil explicar. É uma dor que nos parece secreta, que não leva gesso, pontos ou dá para intervencionar pela mão de um médico, mas está lá. Evitam-se pessoas, lugares ou situações; aparece ora no trabalho, ora em casa – preenche todo o nosso horário e ainda vai para casa connosco.

Surgem as críticas, como se a culpa do mal estar se pudesse atribuir a um mau desempenho ou a não fazer algo de forma suficientemente boa. Ou tudo pode parecer bem e não haver razão aparente para o mal estar que se sente.

O sofrimento adquire várias formas, o que vai sendo mais ou menos comum, é a ideia de que pode ser que passe. No entanto, pode ser que piore. Muitas vezes, só fica claro o que não era normal sentir, quando passado algum tempo de psicoterapia se adquire a capacidade de olhar para trás, nomear o sofrimento e perceber como a vida pode ser diferente.

A saúde mental está na moda, mas parece que ninguém explica muito bem como se cuida dela. Eu começo por te perguntar: quando é que foi a última vez que te ouviste?

Não há formulas mágicas. Podia dar-vos alguma dicas relacionadas com rotinas, tempo livre, estratégias, colocar limites, sermos mais saudáveis na relação connosco e com os outros, mas de entre tudo aquilo que contribui para uma boa saúde mental, está a capacidade de nos ouvirmos. Sermos capazes de por um momento, uns minutos ao fim do dia ou ao longo do dia, olhar para nós e questionarmos-nos.

O que é isto que estou a sentir?O que eu posso fazer sobre isto?Como posso resolver? Dá para resolver?O que eu quero?O que eu não quero?
Não precisamos de saber as respostas todas, mas as perguntas, é importante que as possamos fazer. As perguntas que quisermos. Estas e/ou outras.
Quando se pratica desporto, a dada altura descobrem-se músculos que sempre ali estiveram, mas não sabíamos. Descobrimos que nos podemos sentir de outra forma ou que o corpo nos permite fazer muito mais do que imaginávamos. Podemos encarar a nossa capacidade de nos pensarmos de forma semelhante e, quando o fazemos, adquirimos mais recursos, mais estratégias, vivemos mais e o nosso mundo expande. 
Ao contrário do que se possa pensar, adoecemos por não nos permitimos sentir ou olhar para as nossas emoções. Quando nos entristecemos, zangamos, irritamos ou frustramos, circunscrevemos, identificamos o que se sente, o que se passou e criamos condições de descobrir o que vem a seguir, o que podemos fazer, para sonharmos e nos dedicarmos aos nossos objectivos e metas.
Se chegaste até aqui, onde poderás chegar a seguir?

Posto isto pergunto: já olhaste para ti hoje?

Fotografia: Sara Carvalhal

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