O que gostava de encontrar à sua espera?
Tirar o outro do sério para que se queixe e dê sinal de vida, tratar mal as pessoas em redor como resposta ao próprio medo ou sentir o tempo livre tão insuportável que não se aguenta a constante frustração de estar em casa privado da vida normal. Estas têm sido algumas das respostas das pessoas face à necessidade imperativa por estes dias de ficar em casa.
Estamos ainda muito próximos desta realidade para a poder pensar como merece, no entanto, podemos ir pensando algumas notas, tais como o facto de que pessoas com personalidade mais ansiosa e/ou em processo psicoterapêutico têm revelado serenidade face aos novos desafios. O que parece claro neste momento, é que vivemos um período experienciado por muitos com carácter traumático e cada pessoa actua de acordo com os seus melhores recursos.
Inúmeras vezes em conversa ou em reflexão conjunta, e é a essas que me refiro, estar em casa surge como um local seguro com uma clivagem enorme face ao mundo lá fora. Quase como os castelos rodeados de um lago de crocodilos, onde a dada altura se fechava o portão e a resistência de todos era enorme. Imagem que não deixando de revelar imensa agressividade, também transmite a força da segurança e protecção que quem está dentro do castelo pode vivenciar.
Uma realidade parece por vezes não existir em simultâneo com a outra, como se os dois lados do portão não pudessem existir ao mesmo tempo. Mas existem. Existem quando ligamos às nossas pessoas, existem quando saímos para as compras, ou existem mesmo quando fechamos bem os olhos, de olhos abertos, para não os ver.
Voltaremos a caminhar a nossa liberdade e apenas o faremos com as indicações dos especialistas e orientações da Organização de Saúde. Mas voltaremos: o portão irá abrir um destes dias e transformar-se numa ponte.
O que gostaria de encontrar do lado de lá?
Actualmente, embora possa parecer que fomos projectados para uma dimensão de stand by que mais parece um pesadelo, a vida continua. Por muito difícil que seja olhar e ver, espreitar e pensar com o que temos, o que podemos fazer para cuidar do regresso de todos começa a ser a questão que se coloca. E enquanto que por um lado parece que subitamente estamos num filme de ficção científica, por outro a vida insiste em mostrar que não pára. Sonhar a regressar ao projecto de vida que se estabeleceu na era pré-COVID, convida a olhar o medo e a poder senti-lo. Como não ter medo do medo?
Há perguntas que não se respondem num dia só. Ficam para pensar:
O que gostava de encontrar à sua espera quando sair?
O que é mesmo imprescindível para si ter?
O que deixou de ser importante e vai descartar?
O que tem e pode melhorar?