Tudo isto e nada disto
Um dos maiores prazeres que a leitura traz, é o modo como as palavras brincam entre si, dentro de nós, dando corpo àquilo que sentimos. Como se encontrassem partes de nós que estiveram lá o tempo todo e, pelas palavras, encontramo-nos.
Em tempos de grandes novidades, de grandes encontros com partes de nós, deixo aqui um bocadinho de um texto que me parece trazer sempre luz.
“Um som ou alguma coisa verdadeira a existir. A nascer, a crescer, a viver. Uma coisa verdadeira e infinitamente bela a agitar-se no ar do salão. Um lamento. Uma angústia a transformar-se de repente numa alegria grande. A caminhar, a correr, a dançar. Um sonho bom a transformar-se numa alegria branda. Glória e espanto. Um som a existir muito. O ar do salão cheio de um milagre invisível. Um segredo profundo a atravessar-nos. Uma emoção a continuar por onde não se imagina. A vida condensada e repetida. Um momento ao qual não tínhamos a certeza de poder sobreviver. Recordações e a explicação simples da vida. O mistério mais impossível e a revelação mais clara. Cores: branco, azul, verde, branco, luz, negro, azul, céu, branco. Nenhuma cor. Água. Silêncio a falar a língua da claridade numa voz de manhãs. Um som ou alguma coisa verdadeira. Tudo isto e nada disto era a música.”
José Luís Peixoto, “Uma Casa na Escuridão”.