Há muitos anos atrás li um livro chamado “Música de Praia”, Pat Conroy, onde são descritas as perspectivas de um casal sobre o suicídio.

A dela, que parte.

“A nossa querida Leah ainda não tinha dois anos de idade quando a minha mulher, Shya, parou o carro no ponto mais alto da ponte e contemplou, pela última vez, a cidade que tanto amava. Puxou o travão de mão, abriu a porta do carro e, depois, subiu para a balaustrada com a agilidade delicada e enigmática que sempre foi o seu dom felino. Também era divertida e espirituosa, mas tinha dentro dela um lado sombrio que ocultava através de alusões inteligentes e uma ironia tão finamente trabalhada como a renda.Dominava tão bem a arte da camuflagem que a sua própria história parecia uma série de espelhos estrategicamente colocados que a mantinham escondida de si mesma.
O sol estava quase a pôr-se e ouvia-se na aparelhagem do carro uma cassete dos Grandes Sucessos dos Drifters. Levara-o recentemente à garagem e o depósito da gasolina estava cheio. Também pagara todas as contas e marcara-me uma consulta para o Dr. Joseph para uma limpeza dentária. Até mesmo nos momentos finais o seu instinto forçava-a a ser funcional e ordenada. Sempre se sentira orgulhosa por ter sabido manter a sua loucura invisível e em xeque; e quando já não conseguia calar as vozes que cresciam dentro dela e a destruíam perfidamente de mansinho, a depressão nervosa tapava como um oleado aquela parte do cérebro onde outrora tinha havido luz. (…) Shyla estava cansada de se sentir doente e frágil e queria pôr as bandeiras de todos os seus dias a meia haste. (…) Enquanto Shyla tentava manter o equilíbrio na balaustrada, um homem aproximou-se por detrás dela. (…) “Sente-se bem, minha querida?”. Ela voltou-se lentamente e encarou-o. Depois, com lágrimas a escorrer-lhe pela cara abaixo, deu um passo atrás e, com esse passo, modificou a vida da família dela para sempre.”

A dele, que fica.

“Cozinhava e chorava, alternadamente, e rezava para que a alma da minha triste mulher repousasse em paz. Sofria, lamuriava-me e tinha ataques de choro enquanto ia servindo refeições fabulosas às pessoas que vinham confortar-me.
Só pouco depois de Shyla ser enterrada é que os meus sogros me instauraram um processo para obter a custódia da minha filha, Leah, que me precipitou de novo no mundo real. Passei um ano deprimente em tribunais para tentar provar as minhas aptidões como pai. (…) OS pais de Shyla tinham enlouquecido de dor e aprendi imenso sobre a função de bode expiatório ao observar o ódio gelado com que me fitavam (…) Embora eu tenha uma vasta gama de defeitos que despertou a curiosidade do tribunal, raras são as pessoas que me viram com a minha filha e que têm quaisquer dúvidas quanto aos meus sentimentos por ela. Só de a ver tremem-me os joelhos.”