há um elefante na sala

Ser psicóloga/o é, por vezes, falar dos elefantes que se encontram na sala que é, como quem diz, pôr em palavras algo que ainda não se encontrou forma de dizer. É fazer diferente daquilo a que nos convidam, mas o necessário para ajudar a mudar, a ser-se mais feliz ou tranquilo com as próprias soluções.

Um elefante na sala por estes dias é, sem dúvida, a sexualidade. Parece coisa de tempos idos, mas continua a ser difícil falar sobre este assunto.

Felizmente o mundo vai mudando e nós com ele. Cultural e socialmente, criam-se momentos únicos e, nessas alturas de transformação surgem assuntos novos. Penso que chegou o momento de olharmos para nós e de nos permitirmos fazê-lo sem medo. No que a este assunto diz respeito, e quase que em jeito de reparação de erros anteriormente cometidos, a/o psicóloga/o tem um papel fundamental de “tradutor” ou de “legendagem”.

A sexualidade é algo de todos nós e falar sobre ela não implica falar da nossa intimidade. Falar de sexualidade é falar da construção da nossa identidade – pelo menos de uma parte dela -, é falar daquilo que somos biologica e psicologicamente. 

Actualmente, autores como Dana Birksted-Breen, pensam e escrevem sobre algo que em 1905 Sigmund Freud já escrevia:

“(…) observation shows that in human beings pure masculinity or femininity is not to be found either in a psychological or a biological sense.”

Somos todos únicos e uma combinação irrepetível de traços e características, nomeadamente, traços femininos e masculinos.

Se há um elefante na sala, é um elefante velhote e cansado que o percebam ali e não se dirijam a ele.
Sem mais demoras, dirijo-me a todos vós, combinações únicas e irreptíveis, seja qual for o modo como gostam de ser apresentados… o elefante na sala chama-se Medo.

O Medo está sentado e é enorme. Pomos os olhos nele e não conseguimos ver mais ninguém presente, para além daquilo para onde nos é seguro olhar. O Medo é de tal forma uma besta impressionante que pondo os olhos nele, dificilmente olhamos para dentro de nós. E quão importante é olhar para dentro de nós. Pensarmo-nos para além do que fazemos em modo automático, para além das rotinas, dos dias que passam uns atrás dos outros, daquilo que imaginamos os outros a pensar…

Diz a Organização Mundial de Saúde que a Sexualidade é “uma energia que nos motiva a procurar amor, contacto, ternura e intimidade, que se integra no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos tocados, é ser-se sensual e ao mesmo tempo sexual; ela influencia pensamentos, sentimentos, acções e interacções e, por isso, influencia também a nossa saúde física e mental.” (1992). 

Ao longo da vida a realidade negoceia connosco até onde permite que possamos sentir o prazer. A imaginar e a desejar não nos são colocados limites, mas é a realidade que ajusta o que é possível de entre o imaginado. Neste sentido, parece-me pertinente a reflexão sobre o facto da imaginação e o prazer não terem limites, mas depois pedirmos a todos que sejamos normativos e tenhamos um sentir e vidas idênticas.

Não vos parece paradoxal? Somos únicos, uma combinação exclusiva de traços, experiências, vivências, mas no que toca ao sentir deveremos ser todos iguais, vá diferentes dentro de determinada margem…

Por que não nos permitimos nós olhar?

A alternativa a negar ou fazer desaparecer o que sentimos é a doença. Um conhecimento maior e mais profundo de nós mesmos, tende a dotar-nos de mais estratégias e recursos para lidar com os dias, as situações com que nos deparamos e as relações que estabelecemos. 

Aquilo que historica e culturalmente tem vindo a ser norma, é a proibição e a culpabilização das coisas boas que as pessoas sentem, seja qual for a sua natureza. Muitas vezes esta situação cria a perversidade de transformar as próprias pessoas em grandes críticos daquilo que na verdade são. E não, não precisamos de falar de heterossexualidade ou homossexualidade…

E querer muito vestir determinado vestido, mas não se permitir sentir sensual e sexual?
E ter uma fantasia – recorde-se que as fantasias são secretas – e não dormir com culpa?

Por que não poderemos nós fazer diferente e haver lugar para todos?
Por que motivo não podemos nós, livremente olhar para algo tão importante?

Que vão fazer vocês com o elefante?

Fotografia: Sara Carvalhal