Sara Carvalhal

22 Mar 2020
Os Dias no Divã

Rebenta a bolha

Há um lugar especial no coração dos pais onde se guardam os filhos, a Bolha. 
A Bolha é um local protegido a partir do qual os pais ajudam os filhos a crescer e lhe mostram o mundo. Primeiro confunde-se com a barriga da mãe, depois com o colo dos pais e, com o tempo, vai expandindo. 

A Bolha vai também tornando-se um pouco mais flexível e as crianças, a partir dela, conhecem não só o exterior como o seu interior e o dos pais, o que é seu e o que é dos outros. Conhecem as ideias dos pais e formam as suas próprias ideias.

Ainda que não haja uma data de validade para a sua utilização, a Bolha rebenta num determinado momento que não é devidamente identificado, pelo que nem sempre dentro de nós e dos nossos filhos estes tempos coincidem. 

Rebenta a Bolha!

Sair da Bolha resulta de um processo difícil de negociação, gradual e acompanhado: pais e filhos têm de estar de acordo nos termos deste acordo e ambos têm de fazer algumas cedências. Os pais têm um papel importante neste processo de negociação, pois são eles que ao longo do tempo vão estimulando a autonomia das crianças, permitindo-lhes pensar e procurar resolver, com a sua ajuda, as dificuldades que vão surgindo.

No seu intimo é muito comum os pais desejarem poupar os filhos do sofrimento da frustração, de qualquer desgosto e de infortúnios da vida, mas se agido este desejo, os filhos correm o sério risco de se tornarem adultos infelizes.

Se as Bolhas deixassem de rebentar, o mundo passaria a ser povoado por pessoas que não entram em relação com ele, entre si ou consigo mesmas. Não querendo correr este risco, de tempos a tempos, é saudável os pais gritarem “rebenta a Bolha!”, pararem e não só mostrarem, mas também permitirem que pensem como poderão resolver determinado obstáculo, como a dada altura podem começar a andar sem a mão, dispensar a fralda ou a chucha, dormir sozinhos, aprender a usar o quarto de banho dos grandes ou como podem ter as suas próprias opiniões.
Os filhos precisam muito dos pais, mas de forma diferente ao longo do tempo. Na minha experiência, é ali pela entrada na pré-adolescência e adolescência que é mais difícil fazer este jogo de autonomia. Os filhos precisam agora que conversem com eles e que lhes permitam o espaço de pensarem pela sua própria cabeça as mudanças que chegam com a adolescência. Os filhos precisam de saber que os pais estão lá mas agora como equipa nos bastidores.
Com o tempo, a Bolha deixa de ser um lugar de experiência protegido, passando a ser apenas uma zona muito conhecida e de grande conforto. Acredito que ser pai e mãe é sair da Bolha também. Ser mãe e ser pai é crescer com os filhos, tornar-nos naqueles que cuidam, naqueles que formam a Bolha e a acarinham enquanto facilitam esta nova relação com o mundo. Ser mãe e pai é rebentar a Bolha, a dos filhos e a nossa.

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