Sara Carvalhal

22 Mar 2020
Os Dias no Divã

Abril: mês de prevenção dos maus tratos de crianças e jovens

Imagine uma casa em construção. É um projecto bonito, imaginado pelo casal, naquele sitio que escolheram a dedo e onde identificam o potencial para um dia terem um jardim, um espaço para as crianças brincarem, para conversarem na rua à noite ou um dia expandirem a casa. As potencialidades são imensas quando nos pomos a imaginar.

Imagine que esta casa, ainda em construção, é sujeita a uma enorme tempestade e que a família que a constrói tem de se abrigar nela. Parece-lhe uma alternativa viável? Terá já telhado que suporte a tempestade? Como poderão fazer sem janelas ou portas para proteger do vento e da chuva? O chão está preparado para ali estarem confortáveis? Será que não se vão magoar por estarem ali antes do tempo?


De uma forma um pouco simplista, é de uma tempestade que se pede às crianças que se abriguem quando assistem ou são vítimas de situações de violência, seja a violência de que natureza for. 

Quando as crianças assistem a grandes discussões ou fazem parte delas, quando as crianças assistem a agressões ou são agredidas, como em todas as outras situações, procuram dar-lhes um sentido, sendo que não possuem meios para elaborar e incorporar zangas, raivas ou qualquer forma de agressividade desta dimensão. 

A estrutura emocional das crianças está ainda em construção. Primeiro  desenvolve-se através do toque, dos movimentos e dos sons, do brincar, dos desenhos e só então surgem as palavras. O pensamento e as emoções funcionam como uma rede que se adensa ao longo do tempo e da experiência de relação com os outros: quanto mais densa, mais forte. A construção  desta rede, da estrutura emocional das crianças, necessita do apoio e co-construção dos pais e de todas as pessoas significativas da sua vida, não estando preparada para elaborar tempestades. As tempestades rompem a rede, aumentam as falhas que ela ainda vai apresentando naturalmente e podem comprometer o seu desenvolvimento saudável. 

Somos mais parecidos do que diferentes, mas muito embora cada pessoa atribua um valor e significado diferente a cada situação, as situações de violência, em especial a de adultos próximos, como a dos pais sobre os filhos, introduzem a ideia errada de que cuidar e gostar também é aquela agressão. Mistura-se o bom com o mau. As crianças que se encontram num movimento saudável de expansão viram sobre si, sem saber se podem confiar, privam-se dos outros em nome de uma protecção da agressão, mas que mantendo-se, de futuro, os priva de crescer e de crescer com os outros.

Prevenir parece ser a melhor estratégia, parece uma ideia unânime. Eu iria mais longe e diria que permitir que todos tenham possibilidade de cuidar da sua saúde mental, das pequenas e grandes tempestades que vivem dentro de cada um é um direito de que ninguém deveria estar privado. 

Imagem de Bansky.

Nº Comentários
Partilhe

You May Also Like

Gravidez: seis notas para ler antes da crise

22 de Março, 2020

Tutorial da Fotografia com Clones

17 de Julho, 2020

Já olhou para si hoje?

22 de Março, 2020

Meninas hoje vamos sair?

22 de Março, 2020

Deixe um comentário. Cancela comentário

Previous Post
Diário imaginado de uma criança com dificuldades emocionais
Próximo Post
deixem a capuchinho em paz

© 2023 SARA CARVALHAL | TODOS OS DIREITOS RESERVADOS