É de manhã. A mãe e o pais acordam-no com beijinhos e há uma felicidade de os encontrar de novo. Estão todos juntos!

“Esperem… A mãe está vestida e maquilhada, não! É dia de sair para a escola! Já não me apetecia comer, agora perdi mesmo o apetite.  Como lhe posso dizer que é horrível sair? Que queria mesmo era que ficássemos juntos os dois PARA SEMPRE aqui em casa? Por mais que atrapalhe para vestir, comer ou sair de casa, ela parece que não percebe.

Pronto, foi horrível, mas já estou no carro. A mãe vai para o trabalho, o pai vai para o trabalho e eu lá vou para a escola. Tem de ser: a mãe vai para o trabalho, o pai vai para o trabalho e eu vou para a escola; a mãe vai para o trabalho, o pai vai para o trabalho e eu vou para a escola. Será que nos voltamos a encontrar? Quando será isso? Repetem que me vão buscar à hora do costume… O que é isso? A mãe vai para o trabalho, o pai vai para o trabalho e eu para a escola.

Não! A escola!

Lá terá de ser. Está cá a professora, os brinquedos e as pessoas do costume. Que raio será aquilo que estão todos a fazer? Está cá a professora, os brinquedos e as pessoas do costume. Parece que estão em festa e eu não. Não percebem com um grito, não percebem com uma dentada. Vou-me deitar no chão que é um alívio estar aqui com a professora, os brinquedos e as pessoas do costume, mas não sei o que eles estão a fazer.

Lá estão a ralhar comigo outra vez. Como será que lhes posso dizer que não faço ideia porque estão em festa e não me convidam? E a minha mãe que me largou aqui e desapareceu? E o meu pai que fez o mesmo? Acho que é a seguir a brincar, depois do lanche que voltam. Será que voltam?”.

O texto acima descrito, não é um relato referente a nenhuma criança que eu conheça ou acompanhe. Trata-se de uma página imaginada de um diário de uma criança com dificuldades emocionais. É uma tentativa de pôr palavras nalgumas das angústias que as crianças que apresentam dificuldades emocionais severas sentem quando se encontram em grupo ou tentam relacionar-se com o outro. Crianças tais como as que fazem parte do Espectro Autista ou as que possuem uma Perturbação Global do Desenvolvimento. São crianças que parecem interagir com os adultos e outras crianças fazendo uso dos recursos emocionais de que dispõem, como se falassem  determinada língua e as respostas que obtêm fossem expressas noutra língua.

Conseguem imaginar-se noutro país, completamente diferente, a gritar em Português para serem compreendidos? Conseguem imaginar-se a ouvir gritar a resposta de volta?  Conseguem imaginar-se lá, num aniversário com todas as crianças eufóricas a falarem entre si?

Os adultos, professores e pais, funcionam como tradutores, como uma ponte. Através deles, de forma segura, as crianças atrevem-se a sair de dentro delas, daquela cápsula que criam para se protegerem do que é novo e alheio a elas. Em segurança, pela mão dos adultos, podem espreitar as outras crianças, procurar novas formas de comunicar e de responder às situações com que se deparam. As terapias como a Psicologia, a Terapia da Fala ou a Terapia Ocupacional são fundamentais nesta tarefa.

Abril é o mês de Prevenção dos Maus Tratos na Infância e das Perturbações do Espectro do Autismo. Eu propunha um mês diferente: um mês de promoção de um desenvolvimento saudável.
Doze meses de promoção de desenvolvimento saudável.

As crianças não são todas iguais, como não o são os pais ou os professores e educadores, mas acredito que, de acordo com os seus recursos, todos se desdobram em estratégias e esforços para serem sempre mais felizes.

Photo on <a href=”https://foter.com/re2/63f7c1″>Foter.com</a>
Photo on Foter.com